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quinta-feira, 30 de agosto de 2012
O Homem Nu
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Recado ao Senhor 903 - Rubem Braga
Vizinho,
Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal - devia ser meia-noite - e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 - que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar às 21 :45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8:15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e prometo silêncio.
...Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: "Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou". E o outro respondesse: "Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela".
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.
Maio, 1945
terça-feira, 21 de agosto de 2012
A humanidade sempre foi uma ilusão à toa
ESTOU DE SACO cheio; vou telefonar para o Nelson Rodrigues para ver se ele me dá alguma luz, lá do céu. Disco o telefone preto. Não quero mais falar sobre esta guerra santa, mas caio sempre neste tatear confuso, tentando raciocinar com as luzes do bom senso, de causa e efeito, da psicologia. Mas o terror não se explica. Ali, entre o Tigre e o Eufrates, é que nasceu o mundo e pode ser que acabe ali também. O telefone toca. Já ouço as risadinhas dos serafins que ficam contando piadinhas de sacanagem. — Nelson... sou eu, o Arnaldo... — Você me ligando, rapaz... como um telefonista de si mesmo... Achei que tinha me esquecido... — Eu jamais te esqueço... mas estou apavorado com a História humana... — Pára com isso, rapaz, a História não existe... Não é que a História acabou, como disse aquele japonês do Pentágono; não, a História nunca existiu... Ela foi uma invenção daquele alemão, o tal de Hegel, que, aliás, está ali sentado numa nuvem, chorando lágrimas de esguicho numa cava depressão... O sujeito achava que a "história" se movia em direção a uma "espiritualidade absoluta" e, de repente, descobre que meia dúzia de malucos, cheirando a banha de camelo, com camisolas imundas e com a face alvar da estupidez completa, está transformando a vida humana numa sinistra piada de português... ah! ah!... A História humana é um pesadelo humorístico. Você achava que a vida era movida pelas "relações de produção" e coisa e tal... Pois, está aí... a única coisa que existe é a loucura humana... Aqueles macacos que, na Idade do Gelo, se esconderam numas cavernas sujas pra não morrer de frio tiveram de inventar a tal da "linguagem", para preencher o vazio entre eles e a natureza... O homem não é superior aos outros animais, não. Ele é inferior, ele veio com defeito de fábrica... O Nietzsche, aquele cara esquisitão que também anda por aqui, bigodudo, muito sério, falando sozinho, escreveu que "num planeta distante, animais inteligentes inventaram o Conhecimento. Foi o instante mais arrogante e mentiroso do universo. Mas, depois de alguns suspiros da Natureza, o planeta acabou e os tais animais inteligentes morreram..." O Nietzsche é um craque... Sempre que eu posso, tomo um cafezinho com ele. — Mas Nelson, o herói suicida é invencível... — Engraçado... todo mundo está impressionado com os suicidas... A coisa mais fácil do mundo é o sujeito se matar, rapaz. Na minha infância profunda, toda semana, casais de namorados se jogavam do Pão de Açúcar, os amantes faziam pactos de morte e tomavam guaraná com formicida, as mocinhas ateavam fogo às vestes e se jogavam dos prédios como busca-pés de São João... Era lindo... as mulheres suspirando por um suicídio de amor... — Mas esses caras acham que o suicídio leva ao céu... Aliás, você viu algum deles por aí? — Olha... a gente só vai para o céu em que acredita... Os árabes não vêm para cá... Se bem que o paraíso deles até que não é longe... Outro dia, eu resolvi dar uma espiadinha lá... Rapaz, parecia o baile do Bola Preta! Os terroristas eram como artistas de televisão, dando autógrafos, cheios de macacas-de-auditório em volta. O Muhamad Atta, aquele chefe-suicida, estava deitado numa cama de ouro e rubis, com odaliscas do Catumbi rebolando a dança do ventre, ali, feito a Feiticeira... Tudo que eles jamais tiveram no deserto eles têm aqui em cima. "Pois, agora, rapaz, vou te dizer uma coisa 'social': os reis da Arábia Saudita, da Líbia, do Iêmen, todos adoram que o inimigo seja o americano, vivem felicíssimos nos seus palácios com cascatinhas artificiais e filhote de jacaré nadando dentro, enquanto os miseráveis batem cabeça para Alá e não percebem que são os otários de Maomé... Isso é que é o haxixe do povo! — Nelson, você ficou marxista aí no céu... — O Marx me chama de "reacionário", mas me ouve muito... Ele anda chateadíssimo com as bobagens que escrevem sobre ele, inclusive amigos da Academia... Eu disse para ele: "Olha, Marx, a burrice é uma força da natureza, feito o maremoto"... Ele vive repetindo isso, achou uma graça infinita... Bom sujeito, o Marx... — É... mas a História andou mil anos para trás... — Rapaz, nunca saímos da barbárie... pensa bem... tivemos duas guerras mundiais num século, sem contar Vietnã e coisa e tal... Se os alemães fizeram aquilo tudo, se os americanos derreteram 150 mil em 30 segundos em Hiroshima, imagine aqueles cretinos... Reparou que eles parecem um homem só ? Todos calmos, com a certeza da verdade lhes iluminando a fisionomia... A loucura é calma, o louco não tem dúvidas... Por isso, eles vão ganhar sempre... A razão é um luxo de franceses... — Mas e o futuro da humanidade... — O mundo nunca foi feliz... esse negócio de paz e felicidade global é invenção do comércio americano... O que houve agora é que os terroristas jogaram a gente de volta para dentro da tal "História". Além do mais, isso tinha de acontecer... Como o homem ia suportar aquela paz americana, com tudo arrumadinho como um supermercado... A loucura é a revolta do animal domesticado dentro de nós... Esse papo da Humanidade toda dando milho para os pombos na praça é lero-lero... Deus não quer isso. Vai olhar a Bíblia, o Torá; é tudo no "olho por olho"... Lembra a Inquisição? Deus é violento... (tô falando baixo que ele tá ali perto consolando o Hegel) . — Mas o ser humano... — Rapaz... a humanidade é uma ilusão. "Tudo que é real é irracional, tudo que é irracional é real." Se o mundo acabar, não se perde absolutamente nada... — E nós? — Agora sim, seremos o país do futuro. Graças a Deus, eles, os americanos, vão nos esquecer um pouco... Aí, a gente pode ir construindo a nossa grande Bahia intemporal, nosso Rio transcendental, nosso grande carnaval permanente. Finalmente, o subdesenvolvimento servirá para alguma coisa... — Deus te ouça, Nelson... ( Arnaldo Jabor )
domingo, 5 de agosto de 2012
AMIZADE DE LOUCOS
sábado, 4 de agosto de 2012
Ignorância Política
Quando eu penso em eleições no Brasil, a primeira palavra que me vem à mente é ignorância. Não sei se existe esse termo do título do post, mas é a verdade.
Eu sempre gostei de política, o que não quer dizer necessariamente que eu entendo tudo sobre, mas sempre me interessei. Desde pequeno achava o máximo eu ter a sensação de poder sobre os meus direitos e deveres como cidadão do mundo, e logo que fiz 16 anos tirei meu título de eleitor. Assistia muito ao horário eleitoral gratuito (que, por sinal, virou tanta tiração de sarro com a cara do eleitor que eu até desisti de assistir), ao noticiário e adorava as aulas de geopolítica. Por isso acabei me tornando uma pessoa bem crítica nesta área. E pra ajudar ainda tenho um amigo que estuda para ser diplomata e volta e meia me manda artigos sobre o assunto.
Mas, sinceramente, acho que nunca senti tanta vergonha de ser cidadã deste país como sinto neste ano. Sério. Sempre fui do tipo patriota e tal. Mas a política brasileira me causa repulsa. Os chamados moradores do Brasil mais ainda.
Eu não me conformo com o rumo destas eleições.
Eu não me conformo em ver como as pessoas são alienadas.
Eu não consigo nem me expressar, tamanha minha indignação.
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